quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Café-com-leite

Na minha infância aprendi a contemplar.
Correndo na rua ao lado do pequeno hospital estavam todos os meus primos, meu irmão e as demais crianças da vizinhança. Era assim todos os dias, da manhã até o anoitecer, e eu raramente estava com eles.
Eu era franzino, o menor de todos, quase não tinha força e me cansava demais em correr, minha mãe quando me via sozinho obrigava os outros a me inserir nas brincadeiras, alguns reclamavam, diziam que eu era ruim de bola, que atrapalhava e que não servia pro time.
Meu irmão sempre dizia, liga pra ele não, o Lucas é café com leite, deixa ele aí correndo pra lá e pra cá. Não fará diferença pro bem nem pro mal.
Eu me esforçava pra me colocar em posição pra chutar a bola, ficava no meio da área, 'na banheira' pra marcar o gol, mas o passe nunca chegava, não sofria por isso, e nem me lamentava.
O fato é, que por ter dificuldades nas traquinagens dos meninos fui logo tomando outros gostos, lia tudo, como se quisesse saber do mundo, gostava de ver as brigas, os socos na cara, rasteiras no meio do campo, gostava só de olhar, observar, prender na memória as coisas ao meu redor.
Nunca reclamei dessa exclusão da diversão nos primeiros anos da minha infância, isso formou a minha identidade, vi o mundo de um jeito diferente, e nisso me destacava.
Logo superei de uma certa maneira os outros no colégio, dava conta em contar as histórias dos livros, e me orgulhei quando vinham me perguntar coisas que só eu sabia, tinha me alfabetizado muito cedo, e lia não só os livros como as pessoas.
No começo da minha vida aprendi a também contar histórias, não pra ninguém, mas pra mim mesmo, usar todo o mágico poder da imaginação, de me tornar forte e salvar as princesas nos castelos. Fico imaginando como foi fundamental pra mim conviver com os meus sonhos tão atentamente, desde então passei a imaginar alto, pensar grande, mas não fantasiar. Tudo é alcançável pra quem tem metas, pra quem sabe ver na História exemplos a serem repetidos, e outros a serem evitados.
Ser café com leite foi pra mim fundamental, a adversidade infantil me fez enxergar as coisas de forma ousada, pois sabia que cedo ou tarde cresceria, e me tornaria o dono da bola.

#O trem azul - Lô Borges

Um comentário:

Jân Bispo disse...

Há Males que definitivamente vem para o bem não é mesmo, se não tivesse sido Café com leite talvez fosse mais um dos tantos milhões que se sentem talentos perdidos para o futebol, e você conquistou feitos diferenciados a capacidade de encantar com as palavras o de ser artista ter alma livre, pensamentos soltos e o poder de suportar (isso ninguém tira de nós artistas) a capacidade de suportar as mazelas da vida rs, lindo seu relato, forte e ao mesmo tempo uma lição de vida os café com leite de hoje serão os donos da bola do amanhã! e que assim seja. abraços!