Fico espantado com o poder de ressurgimento que há no fogo, que só expira a vida quando a última centelha de chama se dissipa, um elemento com características sensacionais que se perde na sua amplidão, inflamável, quente e as vezes mortal.
Através do fogo também penso o mundo.
Cresci envolvido com essa mística chama que atrai tanto, quem nunca se viu admirado com as lavas dos vulcões expelindo o fogo de dentro da Terra, nos mostrando seu magma absoluto, seu poder e a sua capacidade de impressionar. Na velha enciclopédia na estante da minha avó lia com grande curiosidade as histórias do Monte Vesúvio, um vulcão das planícies italianas que destruiu a cidade de Pompéia, via o fogo como um artifício de destruição, um monstro gigantesco que porém era belo.
Mas foi com atrevimento que tive uma das histórias mais doloridas da minha vida, numa das grandes reuniões na casa da minha avó, toda a família estava reunida, as crianças no quintal, fazendo arte e correndo pelo pomar. Eu naquela ocasião estava em cima das árvores de jabuticaba, lugar que mal saía durante um dia inteiro, ora saboreando as frutas, e ora fazendo das sementes da jabuticaba munição pra meu estilingue. As meninas faziam comida no quintal, e pra isso usavam panelas de verdade, com arroz saqueado da dispensa e sal além da conta, meus primos do lado apostando quem experimentaria o banquete, eu nesse momento nem perto estava, não tinha conhecimento da reunião, sempre fui de andar só.
A comida ficou por lá, ninguém ousou experimentar, também ficara o álcool e todos os condimentos que nem foram usados, eu mal me dei conta que ali mais cedo estavam todos, depois de um dia inteiro nas árvores, tinha as pernas picadas por mosquitos que faziam colméias no chão por conta das folhas e frutos que caíam das árvores, e como alguns já imaginam usei o álcool pra passar nas pernas e pra meu azar o fogo ainda tinha vida.
Queimei toda a minha perna direita, queimaduras de segundo e terceiro grau, e por meses passei as maiores dores que tenho lembrança, diariamente o médico raspava toda a carne morta da minha perna, e senti por muito tempo uma sofrimento que não cessava mesmo com os ferimentos externos já curados.
Tive um excelente tratamento, minha tia me mandou dos EUA, uma excelente pasta que então era experimental para feridas de queimadura, e hoje quase não tenho as marcas nas pernas, alguma cicatriz ainda é visível na canela, porém nada que dê testemunho da dor que senti naqueles dias.
Hoje tenho uma característica muito peculiar, escrevo com a mão direita e nas raras vezes que jogo bola chuto com a esquerda, sou destro metade do corpo e canhoto na outra metade, sinais de um tempo do passado.
Na escola tempos depois vendo o filme que mostrava como os primeiros humanos batalharam pelo o fogo, tentando criá-lo manualmente através da fricção de pauzinhos e palhas, sempre equalizei a importância que é pra nós esse elementos do quão perigoso pode ser caso usado sem segurança.
Temo ainda hoje quando alguém diz: "Você não sabe com quem você está mexendo, você está mexendo com fogo", não pela situação, pelas palavras ou pelo blefe, mas pelo o que isso desperta dentro de mim, memórias de um tempo ruim da minha infância.
Enfim, através dessa memória do passado posso ter em mente que uma centelha que não se apagou pode ganhar forma outra vez para o mal, mas também pode impregnar de luz algo que estava na escuridão.
Esses dias uso os raios de luz do fogo para exemplo do bem, um sinal de que minha vida pode ser cercada de luz, afinal, Lucas, quer dizer aquele que tem luz ou luminoso. Só mais um acaso da vida que insiste em me dar provas que nada foge do destino.
#Even Flow - Pearl Jam
Um comentário:
Muito bom, Lu.
Fiquei despalavriada.
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